segunda-feira, 30 de novembro de 2009

"...faz de conta que ela não estava chorando por dentro - pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado;ela saíra agora da voracidade de viver"

CLARICE LISPECTOR

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Eu quero saber, você alguma vez viu a chuva? Caindo em um dia glorioso?

"Someone told me long ago
There's a calm before the storm
I know, it's been comin' for some time

When it's over, so they say
It will rain a sunny day
I know, shinin' down like water

I want to know, have you ever seen the rain?"

Deitada na cama. Luz apagada. Ouvia no som um rock dos anos 70.
Lágrimas. Cabeça a mil. Triste. Era simples assim, estava triste.
Mas como bem sabemos, o simples nunca foi fácil.

" 'Comin' down on a sunny day"

terça-feira, 6 de outubro de 2009

CAPÍTULO 4

“Tudo para o homem amado, proclamava a moral burguesa.
Tudo para a coletividade, estabelece a moral proletária”
Kollantai


David
Era como se ele fosse a síntese de alguns homens que passaram em sua vida: aquele primeiro amor, que sempre nos lembramos com uma intensidade inexistente na época. O amigo, que temos aquele carinho que se mistura com cuidado, mas também provocações, encheções de saco. Aqueles passageiros, que deixam suas marcas - alguns são fortes, intensos outros nem tanto, mas não tem como não lembrar com um sorriso no rosto desses seres que seja por uma noite ou uma semana se tornam o homem de nossas vidas, mas assim como chegam, partem. Mas tem também, o chato, que nenhuma mulher sabe porque agüenta tanto tempo, mas apesar disso teve alguns bons momentos.

Era militante político, assim como ela, mas se destacava de todos. Sabia falar em público, fazia falas articuladas, boas, convincentes. Um ótimo orador. Um grande quadro. O que fazia com que ela o admirava, mas também a irritava, porque em uma discussão sempre sentia que perdia.
Se encontraram em alguns espaços de organização política...depois em algumas festas. Conversaram, riam, se entenderam. Ficaram uma vez, outra e outra.
Ela com todas suas crises, não sabia o que pensar ao certo. Às vezes era confortável não se envolver com ninguém. Relacionamentos são complicados, suas experiências não eram das melhores.

Pensava sobre Sartre e Beauvoir, nunca moraram na mesma casa. Tinham um relacionamento aberto, intelectualmente interessante. Isso era possível para ela? Era isso que ela queria?
Mas, tentava não investir em ninguém. Nesse momento, nem em David. Porque seria difícil demais se não desse certo.
Só sabia que não queria ser propriedade de ninguém, nem pensar em alguém como sua propriedade. Uma relação de companheirismo, cumplicidade, sexualmente e intelectualmente prazerosa. “Só” isso!

Como é duro, no meio dos seus tormentos, refletir sobre isso. Essas relações humanas de paixão e amor. Era um outro aspecto de sua vida pouco resolvido.

“Para variar!”

domingo, 30 de agosto de 2009

Entre Capítulos II

"Quero morrer numa batucada de bamba
Na cadência bonita do samba"

(suspiro)
Pensou naquele moço enquanto ouvia um CD de Samba.
(suspiro)

"Morre o homem fica a fama"

...fica atrapalhada ao pensar nele. Mas ao mesmo tempo sabe que esse relacionamento não terá frutos.
Um aperto no coração, um forte aperto...algum dia dará certo com alguém?

'Batucada de bamba
cadência bonita do samba"

domingo, 31 de maio de 2009

CAPÍTULO 3

"Os factos são teimosos"
Vladimir Ilich

Adorava viajar. Desde o preparo, compra das roupas, máquina – adorava tirar fotos.
Felizmente, para ela, teve oportunidades de ir a lugares muito interessantes. Com o término do colégio e após o vestibular seus pais a incentivaram a viajar com os amigos. Eles fizeram uma longa viagem pela América Latina – México, Cuba, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Argentina e Uruguai. Era muito jovem, 18 anos apenas, mas tinha certeza que fez a viagem de sua vida.
Apesar de ficar nos albergues para juventude, não tinha o real contato com a população local...na realidade ficou mais interessada nas feirinhas e paisagens. Sua viagem não foi exatamente “Diários de Motocicleta”.
Mas ainda assim, foi uma grande aventura.
No fim de seu primeiro ano de faculdade resolveu fazer um curso de francês intensivo, foi muito interessante – dois meses, meio período de aula e meio período de passeio. No último mês fez algumas viagens por algumas capitais européias.
Assim, no fim de cada ano ela se organizava para uma longa viagem, principalmente para o exterior. Nos feriados aproveitava o Brasil.
Com o tempo passou a se dedicar, ler um pouco sobre a história dos locais que visitava, passeava não só em lugares turísticos e tentava realizar algum curso – não só línguas, mas esportes e artes. Escrevia sempre, suas impressões e pensamentos.

“Ah sim, depois da minha última viagem veio a maior crise. O maior incômodo. Aproveitei os ares europeus, o curso, as pessoas. Principalmente os brasileiros. E quando cheguei no aeroporto estava muito cansada, cheia de imagens e memórias na minha cabeça. Peguei um táxi e fui para a república, queria contar tudo para Márcia.
Ela não estava em casa e eu dormi a tarde toda. Quando chegou nos abraçamos mostrei algumas fotos que estavam na máquina, mas disse que precisava mostrar as outras depois, no computador. Ela sugeriu tomarmos uma cerveja em um barzinho e fomos. Sentamos, pedimos a bebida. Eu falava entusiasmada dos passeios, das pessoas, do curso. Em um certo momento fui interrompida, era uma criança, um menino de rua, me pediu dinheiro. Eu realmente não tinha, só estava com cartão e essa foi a minha justificativa.
Márcia viu que fiquei quieta uns instantes e brincou: ‘Não viu pobreza na Europa?’ Então respondi como um desabafo ‘Eu vi, mas não sei porque só me lembrei agora. Acho que quis ignorá-la’. ‘Ah minha amiga, há certas coisas que não podemos ignorar!’.
E essas palavras se tornaram a minha perturbação, pois antes eu conseguia, mas agora não. Não consigo mais. Não ignoro as contradições do mundo.”

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O olhar...

DO PÚBLICO
quando se comporta de forma inapropriada
quando questiona demais
quando sorri demais
quando reclama demais
(obs.: o parâmetro é social, se fosse pessoal nunca seria demais para ela)

DO PRIVADO
quando está dormindo
quando é acariciada
que reprova e aprova de forma repetitiva
- o que sempre a irritava

“Olhar tem a vantagem de ser móvel, o que não é o caso, por exemplo, de ponto de vista. O olhar é ora abrangente, ora incisivo. O olhar é ora cognitivo e, no limite definidor, ora é emotivo ou passional. O olho que perscruta e quer saber objetivamente das coisas pode ser também o olho que ri ou chora, ama ou detesta, admira ou despreza. Quem diz olhar diz, implicitamente, tanto inteligência quanto sentimento.”

BOSI, A. Machado de Assis: O enigma do olhar (229 pp.). São Paulo, Ática. Psicol. USP vol.12 no.1, São Paulo, 2001.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

"Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!"

FLORBELA ESPANCA

Entre Capítulos...

"Da janela lateral do quarto de dormir
Vejo uma igreja, um sinal de glória
Vejo um muro branco e um vôo pássaro
Vejo uma grade, um velho sinal
Mensageiro natural de coisas naturais"

Se sente só, confusa...com pensamentos a mil.
Existe a fuga: baladas, a bebida e outras coisitas, as conversas fúteis.
Mas o que alivia é escrever, não escreve nem metade das suas reflexões, mas é o suficiente para aliviar.

Ah sim, ela não é tão anti-social...as boas conversas e companhias também ajudam nessa vida sem sentido.

...

Em alguns momentos quando escreve ouve uma música baixinho...queria ser compositora. Porque aquelas músicas a traduzem: seus sentimentos, seu 'mundo interno'.
Mas, ainda assim, algo a incomadava, não queria apenas que seus conflitos fossem traduzidos, mas sim respostas para suas inquetações!

"Quando eu falava dessas cores mórbidas
Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
Você não escutou Você não quer acreditar
Mas isso é tão normal
Você não quer acreditar
Que eu apenas era
Cavaleiro marginal lavado em ribeirão"

segunda-feira, 27 de abril de 2009

CAPÍTULO 2

‘Todo dia ela faz tudo sempre igual’

Ela acordou 6h45, não queria ir trabalhar. Estava cansada, indisposta e de manhã estava sempre irritada.
Márcia acordava um pouco antes, já tinha usado o banheiro. Pouco se falavam pela manhã.
“Bom dia”. ‘Bom dia’.
Depois do banho foi para cozinha preparar sua refeição habitual: leite com café instantâneo e pão com manteiga.

Sai de casa praticamente uma hora depois de ter acordado, vai para o metrô a pé.
Sai gente. Entra gente. Não entra, tem que esperar o próximo. Sai gente. Entra empurrada. ‘O que fiz para merecer isso?’

Ela trabalha meio-período em uma ONG. Essa instituição ajuda a organizar campanhas para envio de alimentos e roupas a lugares que, por algum motivo, estão em crise - guerra, seca, enchentes, desgraças por causas naturais ou desgraças por causas humanas.
Lá trabalhavam pessoas com as mais diversas formações: advogados, publicitários, administradores, geógrafos, cientistas sociais...
O seu trabalho consistia em estudar em equipe a situação de cada país ou local afetado, entrava em contato com os consulados, governos municipais. Após o estudo dos acontecimentos e feitos os contatos, organizavam um projeto para divulgar a situação – seja em rádio, TV , paróquias, além de receberem as doações e garantirem que os donativos chegassem aos afetados – o que nunca era REALMENTE garantido.
Aparentemente todos no seu serviço eram felizes, estavam contentes com seu trabalho e muitos gostavam de propagandear como eram bons: “além de termos um belo trabalho, estimulamos as pessoas a fazerem algo pelo próximo”.

‘Se enganar tudo bem...mas enganar o próximo deveria dar cadeia!’ - Pensava ao ouvir isso.

Duas vezes por semana, à tarde, tinha outra atividade na sua própria faculdade, fazia Iniciação Científica, ajudava um professor conceituado em sua pesquisa sobre a organização do trabalho hoje e o papel do Brasil nesse novo contexto.
Ela gostava do tema e ficou muito contente em conseguir a iniciação. Mas o seu orientador não era exatamente a pessoa mais agradável.
“Oi mocinha! Tudo bem?”. M-O-C-I-N-H-A !!!!
Além de tratá-la como criança ouvia constantemente piadas de mau gosto, machistas e algumas vezes sentia que ele flertava com ela. Se fingia de boba... mas ficava extremamente triste. Chegava a duvidar que conseguiu a iniciação por mérito.

Estava cansada.... e agora sabia pelo menos dois dos motivos que causavam esse cansaço. Escreveu:

“As contradições me cercam: no meu trabalho, na minha iniciação.
Ao mesmo tempo em que reflito sobre a contribuição da ONG que trabalho na manutenção das contradições sociais, ao dar uma falsa impressão que o ‘faça você mesmo’ tem resultados, sou oprimida diariamente com piadinhas machistas e com a falta de credibilidade no meu trabalho, na minha capacidade de ser uma boa pesquisadora.
O opressor e o oprimido. A opressora e a oprimida estão na minha pessoa. Só alguém muito insensível não se abalaria ao chegar nessa conclusão.”

sábado, 25 de abril de 2009

SAMBA DA MAIS VALIA
http://www.youtube.com/watch?v=l5Il0h5scIY

ENSAIO

A Inocência é Loucura
“Perguntas centrais: O que é a humanidade hoje? O coletivo? O Individual? As opressões? O homem? A mulher? O trabalhador? O camponês?

Tarefa central: Agir, não só refletir.”


CAPÍTULO 1

Comer, dormir, assistir, ouvir. Dormir, comer, ouvir, assistir. – bocejo – Vida melancólica. Sem sentido.
Ela vivia, ou vegetava, não sabia ao certo. Só sabia que algo a incomodava, sempre... maldito incômodo, nasceu com ele!
Na sua vida existiam os altos e baixos, mas o incômodo, ah esse sempre estava lá...

Com seus 22 anos, estudava Ciências Sociais na Faculdade – FFLCH, na Universidade de São Paulo. Esse mundo era confortável, pessoas jovens, bonitas, esclarecidas, politizadas – até demais! pensava.

- Vamos sair para beber hoje?
- Não Thi...hoje tá difícil...tô meio down. Acho que deve ser a TPM.
- Ah Jesus! Márcia me ajuda a convencer essa moça chatinha...vamos lá! Não precisamos sair da USP, vamos para ECA!

Márcia era uma das poucas amizades que permaneceu do colégio - Odiou o colégio, pessoas fúteis, meninas irritantes, garotos bobos, professores ditadores, só poucas amizades faziam sentido. A Universidade era outro mundo, graças a Deus!

- Bem, se ela não quer ir não posso fazer nada...mas sempre é bacana sair com os amigos. Acho que dá um UP!
- Beber, cair e levantar! É uma música muito poética. É a minha filosofia de vida!
- Nossa Ricardo, como você é besta! Vocês duas que sabem. Eu vou chamar o Nelson também, assim o quinteto fica completo! – ou não, mas pelo menos não vou ter que agüentar o bêbado sozinho.


A sabedoria estava em seu nome, mas na sua vida ela duvidava. Saiu com os amigos, bebeu, conversou, passou bons momentos, mas aquele sentimento ainda a perturbava, porém agravou-se, o vazio também se misturou com ele.
Depois foi para república com Márcia, que foi logo para cama. Mas ela precisava sentar, escrever, muitas vezes chorava, pensava em morte, não necessariamente na sua, mas do mundo, das coisas ao seu redor. Tudo transpirava morte - que para ela era o vazio.

Uma mulher jovem, classe média, brasileira, tinha um irmão mais velho, morava com a amiga, estudava, tinha um trabalho de meio período, cansada – não sabia do que. Tudo isso era ela........mas ela não era só isso.

“De tudo ficaram três coisas, escreveu Sabino, ‘a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro’.
Fora do contexto, poderia ser confundido com um trecho de um livro de auto-ajuda. Palavras proclamadas, divulgadas em revistas femininas de artesanato. Coitado de Fernando.
Apesar da divulgação estúpida e errada de trechos de seus livros, considero Sabino um sábio. Mas, belas palavras pouco me tocam nesse momento da minha vida. Do que vale meus estudos? As minhas viagens? Se eu não consigo compreender o que me cerca. Não é uma busca existencial....... eu sei.”

Seu celular emitiu uma música, não era uma ligação. Era uma mensagem.

‘Foi bom te rever, espero por mais encontros. Que tal nesse fim de semana?’

David era o seu nome. Ela não sabia o que sentia por ele, eram bons momentos, boas conversas. – Ele que me ligue depois – foi dormir.